12 fevereiro, 2012
Parapeito
Se a memória e o frio não me falham, o relógio sentia-se pressionado perante a minha ansiedade de te ter e o tempo não era este, era bem mais quente. Tudo isto que agora me pesa sobre a pele, substitui-te sem te substituir, tenta ocupar o papel do teu corpo nos dias em que a chuva cheira à tua ausência e nas noites em que a cama denuncia a sua frieza.
A noite que te narro pela segunda vez, revelou-se inquietante e calorosa. Verti suor mesmo sem a fricção da nossa pele, transpirei o teu odor retardado que voltei a inalar e deixei-me possuir pelo desejo que me fantasiava a mente.
Não estavas lá para mim, e num misto de desespero e inspiração, tentei escrever algo quase tão perfeito como tu, como o teu poder em mim e o teu poder em nós...
E foi depois dessa noite que selei todas as minhas cartas, que guardei as nossas histórias para mim em sucessivos capítulos, deixando o papel amarelar no parapeito da minha memória. Também ao sol os meus dedos inúteis ficaram, cremei-os a eles e às exaltações do meu coração, ou melhor, do coração que é teu. E desde então, sou um corpo vulgar.
O tempo encarregou-se de passar, e neste intervalo que ainda voa, beijo-te em segredo, soletro todos os encantos ao teu ouvido e escondo-te a ti e a mim nas folhas que se passeiam pelo parapeito, pela minha cama, e por mim - aqui dentro.
Estou sentada no sitio em que perdi algumas noções e sinto que estou a tentar assumir um papel que já não me pertence, talvez algo que já não me é genuíno, tal como um vestido que já não assenta nas curvas que nós, raparigas, tanto queremos reaver. E este dom, que ficou por aí perdido, que talvez o vento tenho levado do meu parapeito, é a arte de espelhar, de sentir sem tocar, de chorar ou sorrir atento, de escrever para quem se ama. E eu quero escrever de novo para mim, para ti, para nós, e para vocês.
Recuperar o meu dom e as suas escrituras.
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Gostei bastante.
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