09 dezembro, 2011
Marés vivas
O movimento brusco e inesperado das tuas ondas, tanto como todas as moléculas de hidrogénio e oxigénio que fui obrigada a engolir, continuam a atormentar o meu sono que em tempos foi profundo. Quase tão profundo qual mar de desespero em que me afogaste, nesse teu jeito tão mecânico, tão gélido, mas sobretudo, tão discreto e aparentemente inofensivo. Mergulhei nos teus braços geométricos que nunca se souberam moldar ao meu corpo, e nessa entrega simplória conseguiste causar a maior revolução alguma vez sentida pela indefesa alma que carrega todo o peso do meu corpo. Mexeste e remexeste nas minhas entranhas sem qualquer pudor, desconectaste a cabeça do coração, e usaste essa mesma linha vital, para unir o meu órgão central ao teu cérebro podre e perverso.
Cegaste-me, entupiste-me a consciência com essa tua água suja, e, aos poucos, drogaste-me o coração com produtos tóxicos - esses tão predominantes na tua figura de constituição hídrica, que é tudo, menos pura.
Fui durante muito tempo, uma extensão de ti mesmo, uma arma carregada pelos teus próprios revólveres que iniciavam uma guerra em que a vitória era sempre tua . Fui um amontoado de órgãos que assumiam qualquer forma e que sofriam as mais variadas metamorfoses consoante os teu caprichos. E o mais grave de tudo, foi a minha incapacidade de me libertar, de abrir os olhos, de me reconstituir e de me tornar uma alma completamente independente da tua.
Não fui capaz sozinha, no entanto, consegui avistar das profundezas, sinais de luzes, duas mãos estendidas e um coração de janelas abertas que me oferecia a sua estadia. Foi como um eficaz processo de reabilitação que me limpou por dentro e me esculpio de novo por fora, trazendo-me à superfície, e deixando todo um passado esquecido e enterrado, na areia húmida do mais profundo oceano de tua criação.
(...)
Contudo, ainda hoje, sentada do outro lado da costa, pisando agora areia seca, custa-me observar as tuas próximas vítimas, mergulharem de cabeça nas tuas águas, que aos olhos de cada uma, ainda parecem seguras e limpas...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sabendo muito bem do que aqui falas, não consigo ser indiferente à dura realidade aí expressada, talvez por eu, ser como dizes, mais uma vítima que se deixou mergulhar nessas águas... Não consigo, porém deixar de compreender, e em certas partes concordar com o que expressas. A razão está toda do teu lado Raquel, admito, mas por vezes, até o coração tem razões que a razão desconhece. E talvez este seja, por enquanto, um desses casos. Está belíssimo, a sério. Um dos meus blogs preferidos :) PS: não tomes a minha atitude egoísta, por querer o que já fez tão mal, principalmente a ti. Mas nunca me esqueci de tudo o que me disseste, e do que aconteceu. beijinhos (e já tinha saudades!) :)
ResponderEliminaré impossível de não gostar deste blogue, Raquel :*
ResponderEliminarGostei imenso, está realmente belo e acima de tudo envolvente e algo aliciante. De facto vive-se as palavras. Gostei imenso. Beijinhos :) Gosto muito do teu blog!
ResponderEliminarobrigada e espero que sim, mesmo Raquel :)
ResponderEliminar